Pediram a Carmen que lembrasse da sua infância. Os seus olhos brilharam e a sua Alma estremeceu. Lá vamos nós outra vez, disse Ela para ela. Lá vamos nós entrar mascaradas no vale encantado dos sorrisos. Foi sim, sabes, foi uma infância maravilhosa, muito feliz, disse ela para Ela. E Ela de coração enfraquecido teve um arrepio de medo. Mentes, estás a mentir. Gritavam contigo, gritavam connosco, tanto, com falas militares, diziam que não eras, nem serias, seriamos, ninguém. Que eras má e egoísta, tanto que nenhum te amaria. Que eras desajeitada. Diziam-te que não o merecias. E tu que já desconfiavas ainda mais acreditavas. Serias sempre a feia das giras. A monstra do belo. A estranha. Estranha aos olhos deles, menina sensível, Ela sabia que tinha que fugir. Fugir dali. Desaparecer na sua bicicleta para o seu mundo escondido de perene alegria. Carmen tremia ao lembrar tanta tristeza. E a sua alma cutucava para falar. Mas Carmen dizia-lhe, não te preocupes. Hoje foi horrível mas logo logo, no futuro, vamos encontra-lo e ai teremos todo o amor do mundo. Já estou a imaginar. E sorria a olhar para cima. O beijo, aquele beijo que não termina. Carmen sentia-o e sentia-se já dentro do seu abraço. E na pele arrepiava-se, quase como se já fossem, naquele momento, com as festinhas, as mãos dadas. A cumplicidade. O pedido. O seu cabelo lindo, o seu corpo belo e leve. O seu vestido branco rodado de princesa. E ele ali, no fim da passadeira, à sua espera, a sorrir-lhe para o sim. E lá vinha a sua Alma aterrorizada, com os gritos deles, mexe-te, desenvencilha-te, tens que ser alguém. Estuda, trabalha, come e dorme. Nunca vais encontrar ninguém que te ame. Tu serás tia, no Natal. No Natal, verás de fora as famílias unidas, da mesa do lado. E tu? Tu estarás com o teu sorriso ligeiro que esconde tantas lágrimas pesadas, na mesa das crianças. E no Natal seguinte? No Natal seguinte, já adolescentes, já adultos, eles e suas famílias estarão na mesa grande e tu ainda na mesa do lado, com o teu sorriso terno e eterno de criança. No vale da fantasia e do encanto, a transbordares felicidade de uma fonte árida que grita. E já quase seca, sem terra e sem fogo, a Alma de Carmen berra, agora Ela. Neste Natal vão correr torrentes de água para molharem o teu caminho. Graças a Deus, de tanto chorares dores, de tanto te esconderes a sofrer. E Alma continua, Carmen por favor diz! Carmen por favor chora, Carmen grita! Neste Natal serás presente como terra sofrida e fértil, cheia de luz em Ti minha Alma, flores, borboletas, beijos, danças, passarinhos, até ti. De coração renascido, Carmen viva, estarás pronta para Te amares e O amares.
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